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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A bruxa do Auvergne

À frente dos demais condenados, logo atrás do carrasco, Aldous viu Marjorie.
Tinham cortado os seus cabelos muito curtos, quase rentes ao couro cabeludo, deixando falhas. Ela estava excessivamente magra e pálida, com profundas olheiras. Quando passou pela arquibancada, ela parou de caminhar e ergueu os olhos cor de violeta.

O conde sentiu o coração disparar. Vendo que ela estacara, o carrasco pegou-a pelo braço e puxou-a, porém, ela firmou-se e não se moveu.

A multidão gritou, extasiada com o espetáculo. O carrasco agarrou-lhe então as correntes que prendiam seus pulsos e puxou-a com brutalidade, obrigando-a a prosseguir. Marjorie, por sua vez, enquanto caminhava lentamente para a pira, mexeu a boca, como se mastigasse algo. Então, uma vertente abundante de sangue começou a brotar de seus lábios semi abertos.

_Oh, Deus! _ exclamou Aldous, levantando-se.

Nisso, o carrasco voltou-se para a condessa, para verificar o que acontecia. Os demais condenados choravam, apavorados com a morte iminente, ao passo que a platéia gritava com euforia, agitando os braços.

O sangue de Marjorie escorria pelo pescoço, inundando as roupas sujas. O carrasco segurou o rosto dela; a condessa lutou, virou-se para olhar Aldous e cospiu um pedaço de carne ensanguentada no chão.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O sargento de Tomar

Ao ouvir sua voz, grave e baixa, Liam sentiu o sangue fercer. Encostou-se num pilar, num canto longe da luminosidade dourada que banhava os cômodos da fortaleza de Tomar, e aguardou até que os noviços saíssem. O próprio D.João ia passar por ele, mas Liam pôs uma mão em seu ombro:

_Irmão _ disse ele quase sussurrante _Tenho um assunto extremamente importante para tratar com sua pessoa. É a respeito daquele templário que ordenou que surrássemos até a morte.

D.João de Trás-os-Montes voltou-se num sobressalto e Liam encostou a ponta da faca no abdomen do sargento, ocultando a arma debaixo da manga longa do hábito. Ele lhe sorriu e seus olhos cintilavam, ansiosos por vingança, jubilosos por aquele momento.

_Lembra-se de mim, irmão?

O sargento ameaçou abrir a boca, mas Liam forçou a faca no abdomen do outro, que estremeceu.

_Não faça barulho; não chame atenção. Você irá me levar agora até o pertence de Lake.

_Não vou levá-lo a lugar algum _ afirmou o sargento entre dentes _Pode fazer o que quiser comigo, mas saiba que não sairá vivo daqui. Como tem coragem para tamanha traição contra a Ordem?

_Não estou traindo a Ordem _ respondeu Liam, resoluto _Você é que está.

domingo, 21 de novembro de 2010

A rainha sem esperança

Sentada numa poltrona a beira da cama, Isabelle trançava mecanicamente a mecha que se soltara dos cabelos presos. Edward, seu esposo, sentara-se no leito, do lado oposto, segurando uma carta numa mão e uma lamparina em outra. De tempos em tempos, deixava escapar uma risadinha que lhe sacudia os ombros brancos e magros... A rainha nem precisou fazer esforço para saber que decerto, se tratava de uma mensagem de seu amante, o exilado e odioso gascão Piers de Gaveston.

O estômago revirou-se e ela sentia como se murchasse dia a dia. Cansada como estava, preferiu voltar os olhos para o lado, imersa numa angústia tamanha que a fazia desejar jamais ter existido. Que coisa boa devia fazer parte do "nada"...

Com pensamentos amargos, a rainha puxou uma finíssima mecha da trança que havia feito e passou a enrolá-la, sem parar, porém vagarosamente. Os olhos muito azuis, estavam agora apagados pela falta de esperança.

sábado, 20 de novembro de 2010

A pira da Ilha dos Judeus

Aldous esforçava-se para não deixar transparecer como estava abalado, mas notou nos olhos e nas maneiras de Michel Mortimer que ele havia percebido. Aquilo incomodou-o deveras e ele sentiu-se envergonhado, de forma que emudeceu por completo. Em verdade, desejava, acima de tudo, estar sozinho.

Prepararam uma carruagem para o conde, e no começo da tarde, seguiram para a chamada Ilha dos Judeus. Mais outras seis pessoas seriam queimadas naquela tarde, e por isso, haviam montado arquibancadas altas para a nobreza, sendo que a plebe acumulara-se em torno das piras, eufórica, ansiosa por ouvir os gritos agonizantes e por sentir o odor das carnes queimadas dos hereges. Para eles, decerto, não havia diversão melhor que poder ver um organizado espetáculo carregado de dor e agonia, justificado pela salvação da alma dos condenados.

O rei Filipe, o Belo, havia mandado reservar um lugar para Aldous na arquibancada central, numa privilegiada posição, situada bem de frente para as piras. Quando o conde chegou, o monarca já se fazia presente, com o príncipe Luís, o conde Roberto d'Artois, o legista Guillaume de Nogaret, Enguerrand e Marigny e mais outros dignitários e nobres vindos de diversas partes da França. Afinal, não era comum assistir a queima de pessoas pertencentes a alta nobresa francesa.

Aldous subiu os degraus da arquibancada lentamente, sentindo o estômago revirar-se. O soturno Nogaret foi cumprimentá-lo, com os olhos ferozes brilhando de satisfação.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O Rei de Ferro - Filipe IV, o Belo

No século XIV, os pintores não tinham compromisso com a fidelidade ao retratar as pessoas. Por isso, ficamos absolutamente dependentes do que ficou escrito a respeito delas. Numa época em que a maior parte dos soberanos recebia uma alcunha, o jovem que subiu ao trono da França em 1285 recebeu o nome de Filipe IV, o Belo, devido a sua excepcional beleza.

O último grande representante da dinastia dos Capetíngios reinou dos 17 aos 46 anos, realizando atos que mudariam a história.

Fortaleceu a monarquia e a unidade nacional francesa, modernizando-a e estruturando-a, reconsquistando terras francas antes perdidas e mantendo os pares "amaciados" com a criação dos Estados Gerais (assembléias convocadas entre os nobres mais importantes do reino). Contou com o auxílio valiosíssimo de ministros para delinear os rumos da política e da própria administração do reino.

Apesar de ter conseguido alcançar um estado de relativa paz para a França, não se tratava de um monarca muito querido. Suas conquistas haviam sido obtidas pela força, pelas guerras, assassinatos, pelo dinheiro e por meio de chantagens. Durante seu reinado, a moeda sofreu várias desvalorizações, o que gerou diversas revoltas populares. Além disso, em busca de novas fontes de renda, após ter expoliado os bens dos judeus que expulsara da França, resolveu taxar a Igreja. Filipe então envolveu-se em uma longa querela com o Papa Bonifácio VIII, que acabou excomungando o monarca.

Em 1303, Filipe enviou um grupo de homens de sua confiança (a dizer, o legista de origem cátara Guillaume de Nogaret, conhecido por sua austeridade e violência; e também um inimigo pessoal do pontífice, Sciarra Colonna) para prender o Papa em sua própria residência, na cidade de Anagni, Itália. Poucos dias depois, o humilhado Papa faleceu...

A seguir, o Belo rei continuou mexendo seus pauzinhos e após a morte do sucessor de Bonifácio, Bento XI (envenenado também?), conseguiu que elegessem papa um bispo escandaloso, cheio de amantes, mas de origem francesa: Clemente V. Assim, a cede do papado foi transferida de Roma para Avignon, no sul da França.

Bem, paro por aqui. Esse post ficou extenso demais! A seguir, contarei como Filipe conseguiu deitar por terra a maior e mais poderosa organização religiosa-militar que já existiu no mundo: a Ordem do Templo.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O traidor

Aldous cerrou os dentes e olhou para Michel com seus olhos verdes cinzentos.

_Na verdade _ disse ele, sem orgulho algum no tom da voz _ eu a roubei dos templários.

Mortimer franziu o cenho e inclinou de leve a cabeça, incrédulo:

_Como?

_Eu a roubei, meu irmão, de um cavaleiro fugitivo. E por pouco, não fui morto por um demônio que serve a Ordem.

Ao ouvir tais palavras de seu senhor, Michel Mortimer benzeu-se com o sinal da cruz. Aldous explicou:

_Lembra-se do preceptor de Auvergne, Imbert Blanke, o homem a quem caçou para que testemunhasse em meu favor?

O gigante louro fez que sim.

_Pois saiba _ prosseguiu o nobre _ que em troca de seu testemunho, ele exigiu a Rainha que a mesma me transmitisse um recado _afirmou, indo sentar-se na beira da cama _Ele pediu-me que fosse levar uma mensagem até um certo cavaleiro que se refugiara na Escócia, e que o ajudasse a cumprir uma missão.

Mortimer meneou a cabeça:

_Mas que confusão! Não entendo!

Aldous baixou os olhos para o chão e balbuciou, sem dar atenção ao que dissera o escudeiro.

_Pobre homem esse Imbert! Serão todos os cavaleiros tão ingênuos assim? Como é que foi achar que poderia confiar numa criatura má e traiçoeira como eu?

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Encontro em Paris

Desviando-se das pessoas, Aldous e Anabella deixaram a Galeria Capetista e entraram na carruagem do conde. Quando principiaram a andar, Aldous perguntou:

_O que faz em Paris, Anabella d'Anagni?

Ela sorriu com malícia antes de responder:

_Estou certa de que está pensando mal de mim, Aldous...

_Eu? _ perguntou ele rindo _Não estou pensando nada _ mentiu, pois estava certo de que a bela italiana ainda continuava vendendo seu corpo.

Ao que ela afirmou, altiva:

_Sou uma mulher correta agora. Tenho um trabalho honesto no comércio.

_E que tipo de comércio? _questionou o louro, com acentuado tom de maldade.

O rosto de Anabela mudou, e ela disse com certa ironia:

_Comércio de velas, monsieur. Ajudo a iluminar a vida das pessoas.

Ao ouvir tais palavras, o nobre segurou o riso e meneou a cabeça.

_Que lindo! Fiquei comovido...

Nisso, Anabella chutou-o na canela e esbravejou, em um francês carregado de sotaque italiano:

_É ainda o mesmo grosseiro de anos atrás, Aldous!

_Velhos hábitos nunca nos abandonam... milady.